Tenho acompanhado as informações na imprensa sobre as agressões de adolescentes paulistanos e também o que ocorre, de outras maneiras, no interior do estado. Procurarei montar um mapa dessas condições que, ao que me parece, se produzem a partir de relações familiares e administrativas da educação.
Procurando entendê-las, recuo um pouco na arqueologia dessas relações, ou seja, no relacionamento dos avós com os pais dos agressores. Creio que estes avós seriam mais conservadores, como meus avós o foram com meus pais e estes com seus filhos: meus irmãos e eu.
Venho de uma família do interior de São Paulo, porém não menos tradicional e que se “tornou” paulistana ao optar por fixar residência na capital. Meu pai foi criado em sobrado numa vila da alameda Lorena e posteriormente na, antigamente chique, Haddock Lobo com Fernando de Albuquerque. Eram burgueses dos anos 50 e 60 e assim foi a tentativa de transmitirem estes valores à prole.
Não funcionou, apesar de, em casa, chamarmos pai e mãe de senhor e senhora.
A escolha dos grupos de convivência por afinidade, comum na formação da identidade dos jovens, acabou por nos livrar do que mais tarde entenderíamos como sendo um ranço conservador e direitista na formalização da educação quanto na visão política do entorno.
Fomos criados com muito “pulso” (como diz em entrevista à Folha, um dos pais dos agressores, como sendo o que faltou e que reproduzo, ipsis litteris com grifo no que considero enfraquecimento da relação formadora de caráter: “Meu filho e os dos outros também saíram UM POUCO do controle. Faltou pulso.”)
Tendemos a amenizar os atos de quem amamos, muito embora, de minha parte, tenho sido, por vezes, cruel na análise da importância do papel que meu pai ocupou na passagem de valores que teimei por negar em minha vida. Homofobia, direitos humanos, preconceito contra negros e pobres, contra as drogas, mas não contra o álcool e, enfim, pouco respeito ao diferente que nos cerca, foram muito comuns em meu círculo familiar.
Conforme citado em entrevista colocada aqui no blog mês passado, meus valores foram construídos sobrepondo-se a esses valores que me acompanharam, e a meus irmãos, na infância e adolescência.
Colocar o filho como vítima, que está sendo “massacrado” e como “um homenzarrão que vive chorando pelos cantos”, não justifica a escolha pelas companhias e as posteriores ações de grupo, mesmo que o sujeito fique à margem das agressões, este não se opôs, ou sequer tentou intervir contra o que poderia considerar “errado”. O fato de conhecer os “rapazes” nas baladas, vem confirmar o pertencimento ao grupo por afinidades. Que afinidades são estas? As de comportamento de afirmação de gênero, em sua maioria.
Talvez tenha faltado pulso também junto aos pais dos meninos em suas formações. Talvez tenha faltado pulso também no relacionamento entre administradores das escolas e seus alunos. Não o pulso da repressão, mas o da correta orientação em relação à diversidade e do respeito ao outro e às instituições.
A aventura de roubar num supermercado pode nos mostrar como entendemos as pequenas infrações que podem gerar as grandes infrações. Nos anos 90, meu filho, então com 12 anos, participou com um grupo de uma farra dentro do Carrefour, quando um dos garotos “pegou” um yogurte e saiu sem pagar: roubo. Foram pegos pelo segurança na saída. Meu filho chegou em casa tenso e na conversa veio a nos falar do ocorrido (alegando que não participara diretamente no roubo, mas que “apenas” estava junto com a turma). No dia seguinte o levamos ao supermercado e conversamos com o inspetor de segurança que ralhou com ele e conosco. Ao final nos disse: “em 10 anos de trabalho e de muitos acontecimentos como este, é a primeira vez que pais voltam com os filhos para esclarecimento, vocês estão de parabéns!”
Não, não é um elogio, mas a constatação de como os pais não valorizam as ações dos filhos fora de casa, de como estas ações são menosprezadas enquanto valores formadores do caráter dos mesmos.
Em Araçatuba, interior de SP, um grupo de meninas e meninos de uma escola pública assediou, aterrorizando, uma garota negra da sala de aula. Durante 3 meses ela pagou para não ser agredida, gastou cerca de 800 reais, roubando da mãe o dinheiro durante esse tempo. Nesta semana, a mãe, angustiada com o sofrimento solitário da filha conseguiu que esta falasse o que ocorria. Juntou os bilhetes ameaçadores e foi na escola tirar satisfação. Para a reportagem do SBT Brasil, o diretor da escola não encarou a câmera, andando de um lado para o outro, aturdido (como nossos homens públicos), negou que soubesse do caso e mandou que os jornalistas procurassem o MEC através do 0800. Qual o resultado dessa formação de quadrilha, preconceito e extorsão? Uma breve e discreta advertência verbal: abismo!
De onde vêm as ideias dos “facilitadores” da vida? Vêm também da indústria cultural, do apelo do consumo. Jovem militar do GATE paulistano sequestra e mata jornalista, porquê? Para ter mais dinheiro para consumir Tvs de Led, carros importados e baladas bem regadas.
Pode parecer discrepante a associação destes fatos, mas não é. É uma questão de mentalidades. Estamos sendo co-autores das mentalidades dominantes na sociedade que valorizam o ter em detrimento do ser.
Há um esgarçamento das relações de direito que moldam as atitudes do homem na comunidade. E a responsabilidade sobre isso, volto aqui a afirmar, recai sobre a transformação (para pior) do sistema educacional que se diz melhor por ser numérico (grandes quantidades), em detrimento da qualidade (de aprofundamento). Uma boa educação se reproduzirá em melhor discernimento sobre o convívio em sociedade. Mas temos algumas gerações perdidas na interpretação desse conceito, pois filhos e pais são frutos destas modificações no sistema, que resulta no que temos visto cotidianamente e que podemos chamar de um grande “mal estar na civilização”, devido, justamente, à questão do espetáculo, da cena e do drama.
Posso dizer que é uma péssima peça, gostaria de me levantar da poltrona e sair no meio!